Não é incomum que, nas conversas do dia-a-dia, as pessoas se perguntem o quanto de fato os cientistas se empenham para encontrar tratamentos mais eficientes para as diferentes doenças. Por exemplo, já ouvimos teorias a respeito do retardo no avanço no tratamento do câncer, porque a indústria farmacêutica ganharia muito mais vendendo paliativos do que desenvolvendo formas de tratar definitivamente os pacientes. Ou ainda, que o tratamento para doenças crônicas como diabetes ou hipertensão são feitos com medicamentos que precisam ser administrados todos os dias pelo resto da vida porque se fossem eficientes em dose única reduziriam os ganhos dos fabricantes.
Apesar de ter uma lógica aparente, estas teorias não são fundamentadas pelos fatos. Somente nos Estados Unidos, o investimento estatal anual na busca por tratamentos mais eficientes é de 6 bilhões de dólares para câncer e 1,2 bilhões de dólares para diabetes.
Com tanto investimento, por que a ciência caminha em passos tão lentos? A resposta mais fácil, porém, não exclusiva, é que as doenças são muito complexas e não existe uma forma única de trata-las. Vejamos o caso de diabetes. Existem várias formas de diabetes, sendo as mais comuns; diabetes tipo 2, que acomete predominantemente pessoas com mais de 40 anos de idade com sobrepeso ou obesidade; diabetes tipo 1 que acomete predominantemente pessoas abaixo de 20 anos de idade; e, diabetes gestacional, que se desenvolve durante a gravidez. Cada uma destas formas de diabetes se desenvolve em decorrência de distintos fatores hereditários e ambientais, como alimentos, sedentarismo e infecções. Para trata-las adequadamente, a ciência já desenvolveu mais de 20 tipos diferentes de medicamentos, cada um deles com eficácia maior em um determinado grupo de pacientes. Hoje, considera-se que apesar da natureza crônica do diabetes, o tratamento evoluiu a um ponto tal que, caso seja aplicado de forma correta e conte com a boa adesão dos pacientes, o resultado é bastante satisfatório. Ainda há muito que evoluir, é claro; porém, devemos reconhecer que cientistas e indústria farmacêutica tem se empenhado muito para promover tais avanços.
Agora, voltemos a nossa atenção para a pandemia que nos assola, COVID-19. Quanto de fato a ciência está se empenhando para encontrar uma solução rápida para a doença que já matou mais de 39 mil pessoas desde o seu surgimento, pouco mais de 3 meses atrás? O primeiro argumento em favor da ciência vem dos administradores dos fundos de pesquisa e das universidades onde a maior parte da atividade cientifica se desenvolve. Praticamente todos os financiadores de pesquisa no mundo responderam à crise disponibilizando rapidamente recursos para que os pesquisadores possam realizar estudos que eventualmente contribuam para o desenvolvimento de tratamentos mais eficientes. A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) já alocou mais de 30 milhões de reais especificamente para o desenvolvimento de estudos a respeito do coronavirus. A Universidade Estadual de Campinas também foi rápida na sua resposta colocando mais de 2 milhões de reais a disposição de seus professores e pesquisadores.
Como estes recursos podem ajudar no manejo da infecção pelo coronavirus? Por se tratar de uma doença nova, os pesquisadores ainda têm mais perguntas do que respostas. Poderíamos elencar algumas destas perguntas e discutir abordagens que seriam úteis para respondê-las:
Pergunta 1. Qual será a melhor forma de tratar a infecção por coronavirus?
Tomando por base outras doenças virais, supõe-se que a melhor forma de lidar com esta infecção seja a prevenção por vacina. Vacinas são, indiscutivelmente, um dos maiores avanços já obtidos na história da medicina. Se tudo correr bem, dentro de um a dois anos, teremos vacina para coronavirus. Por esta razão, uma parcela considerável da verba destinada a pesquisa em COVID-19 está sendo utilizada no desenvolvimento de vacinas. Existem hoje no mundo 59 estudos voltados para o desenvolvimento de vacinas e dois destes estudos já estão em fase de testes com seres humanos.
Pergunta 2. Mas o que fazer durante estes meses ou anos sem a vacina? Como reduzir a gravidade e mortalidade associadas a esta doença?
A maior parte dos pacientes que morrem por COVID-19 desenvolvem um quadro grave de pneumonia que leva à insuficiência respiratória. Aparentemente, há um grau muito elevado de inflamação nos pulmões, levando a edema (acúmulo de água nos pulmões) e impedindo assim que o sangue seja corretamente oxigenado. Existe muita pesquisa voltada para a identificação de medicamentos que poderiam aliviar a inflamação e, diminuir assim, o edema do pulmão. Se isso for possível, espera-se que um número menor de pacientes morra da doença.
Pergunta 3. Existem medicamentos que poderiam eliminar o vírus?
Sim, existem medicamentos denominados antivirais. Esta classe de medicamentos é muito utilizada para tratar AIDS. Até o momento, dois antivirais já foram testados contra COVID-19, porém não houve sucesso. Muitos pesquisadores estão trabalhando nesta linha e podem a qualquer momento encontrar algum fármaco que seja eficiente contra o vírus.
Pergunta 4. Porque as pessoas mais idosas e aquelas com doenças crônicas como diabetes e hipertensão estão mais sujeitas a quadros graves de COVID-19?
Tanto os idosos como aqueles pacientes com doenças crônicas têm um sistema imune (componente do corpo que nos protege contra infecções) menos eficiente. Isto pode fazer com que o vírus se multiplique mais e cause mais lesão dentro do organismo. Para obter avanço nesta área devemos responder a várias perguntas; quais componentes do sistema imune estão envolvidos na eliminação do vírus? Como o vírus entra e permanece ativo dentro das células do nosso corpo? Naquelas pessoas que tiveram a infecção e se curaram, como se desenvolve a memória imunológica que impede que uma nova infecção ocorra? No momento existem muitos pesquisadores procurando respostas para cada uma destas perguntas.
Pergunta 5. Muitas informações surgem na internet e redes sociais dizendo que determinados medicamentos ou procedimentos seriam úteis para combater a infecção por coronavirus. Como surgem estas informações, e como elas são testadas pelos cientistas?
Para responder a esta pergunta, podemos usar um exemplo real. Algumas semanas atrás, surgiu a informação de que um medicamento usado para tratar malária e algumas doenças inflamatórias, chamado hidroxicloroquina, poderia ser eficiente contra o coronavirus. A informação surgiu porque pesquisadores haviam iniciado um estudo clínico para testar a medicação em um grupo de pacientes com COVID-19. Sempre que pesquisadores decidem testar um tratamento para doenças precisam escrever um projeto e enviar para avaliação de comitês de ética em pesquisa, os quais existem em praticamente todos os países do mundo. Após avaliação do comitê de ética, sendo o projeto aprovado para execução, algumas informações básicas do estudo ficam disponíveis para o público nos sites dos comitês de ética. Assim, sempre que um estudo potencialmente importante se inicia, as pessoas e particularmente a mídia, ficam sabendo e a notícia é rapidamente difundida. Entretanto, o fato de o projeto ter sido aprovado por um comitê de ética e iniciado, não significa necessariamente que ele venha a ter sucesso. Somente após a conclusão do estudo e da publicação dos seus resultados será confirmada ou não a eficiência do tratamento proposto. Esta é a situação atual da hidroxicloroquina. Existem no momento, vários estudos clínicos em andamento que estão avaliando o efeito da hidroxicloroquina no tratamento de COVID-19. Porém, informações na mídia dizendo que o tratamento é eficiente, não são verdadeiras, pois nenhum dos estudos foi concluído e publicado.
Existem várias outras perguntas importantes que precisam ser respondidas para que possamos obter avanços consistentes na prevenção e tratamento de COVID-19. A comunidade científica de todo o planeta respondeu de forma rápida e com muito empenho a esta crise. Com tantas pessoas pensando e trabalhando com um objetivo comum, é possível que em breve tenhamos boas notícias.
Matéria publicada no Portal da Unicamp