A Organização Mundial da Saúde (OMS) iniciou um grande ensaio clínico sobre a ação de fármacos no combate à Covid-19. O estudo, lançado no dia 20 de março, é chamado Solidariedade (Solidarity) e testará quatro medicamentos em pacientes internados em virtude do coronavírus. A iniciativa conjuga esforços de cientistas em todo o mundo. No Brasil, até o momento, participam 18 centros de pesquisa, incluindo a Unicamp. O primeiro paciente foi incluído hoje (31/3), no centro coordenador no Rio de Janeiro (RJ).
O projeto Solidariedade, na Universidade, é coordenado pela infectologista e pesquisadora da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), Mônica Jacques. A equipe de pesquisa baseia-se no Departamento de Clínica Médica da FCM, na Disciplina da intitulada Moléstias Infecciosas. “A Unicamp foi convidada a participar por conta de sua experiência com estudos clínicos multicêntricos internacionais e pela experiência prévia de trabalho cooperativo com os outros centros brasileiros, não só no contexto de estudos clínicos. A disciplina de Moléstias e Doenças Infecciosas prontamente aceitou o desafio, e com muito entusiasmo, porque consideramos um estudo muito relevante”.
A professora, que atua na área de infectologia, explica que o estudo foi cunhado pela OMS para avaliar terapias específicas para a Covid-19. “Até o momento há alguns medicamentos promissores, mas com estudos ainda preliminares, pequenos, sem força para documentar desfechos clínicos. Então a OMS optou por desenhar o que eles estão chamando de um mega trial, porque é um megaestudo clínico. Ele será feito com muitos pacientes para testar quatro medicamentos que são os mais promissores e com indícios de que podem inibir a atividade do vírus e ter impacto na evolução da doença”.
Os quatro medicamentos são: a cloroquina ou a hidroxicloroquina; o remdesivir; a associação lopinavir/ritonavir e, por último, a combinação de lopinavir/ritonavir com o Interferon Beta 1a. Algumas dessas drogas, como cloroquina e lopinavir/ritonavir são aprovadas para tratamento de outras doenças, com malária, doenças auto-imunes e HIV. Outras têm ação anti-viral e já foram testadas para Ebola e MERS. Todas têm sido avaliadas como potencial tratamento da COVID-19, doença causada pelo vírus Sars-Cov-2, o novo coronavírus que atinge os humanos e é o causador da atual pandemia.
A pesquisa
Em cada país envolvido no estudo, há um centro de pesquisa que coordena as ações. No caso do Brasil, o Instituto Nacional de Infectologia (INI) Evandro Chagas - Fiocruz, do Rio de Janeiro (RJ), está à frente. Os dados obtidos serão sistematizados e analisados pela OMS, que é também quem fornece os medicamentos.
O estudo obedece a critérios de inclusão e exclusão de pacientes, que visam, primordialmente a proteção dos participantes. Além disso, é randomizado. Dessa maneira, um dos quatro medicamentos ou apenas o tratamento padrão (sem droga teste) é escolhido para o paciente de forma aleatória. A equipe médica assistente, responsável pelo tratamento, não decide qual dos medicamentos será usado, mas é soberana sobre todas as decisões clínicas do tratamento do paciente, inclusive pode decidir interromper a participação do paciente no estudo, se considerar que é melhor para o paciente. “Não há qualquer constrangimento manter o paciente incluído no estudo. Essa é a recomendação do protocolo de estudo: a decisão clínica é soberana e os procedimentos do estudo são secundários”, observa Mônica.
Pesquisa na Unicamp será com pacientes internados no Hospital de Clínicas
Na Unicamp, a pesquisa será conduzida com pacientes internados no Hospital de Clínicas (HC) e terá início assim que os medicamentos comecem a estar disponíveis. A OMS está procurando viabilizar o envio o mais rapidamente possível. O estudo é de fácil execução, permitindo que sejam incluídos o maior número de pacientes possível. “A OMS desenhou um estudo metodologicamente robusto, mas ao mesmo tempo de simples execução, que permite que vários centros ao redor do mundo contribuam com o maior número possível de pacientes e que tenha poder, do ponto de vista estatístico, de afirmar qual remédio é melhor”, destaca a professora.
Aprofundamento do estudo
No Solidariedade, o objetivo central é verificar a relação entre o uso dos fármacos e as taxas de alta ou de óbito. No entanto, cada centro de pesquisa poderá também aprofundar os estudos e propor sub-estudos multicêntricos, se aproveitando da enorme rede de pesquisa em torno da Covid-19. Por iniciativa local, será possível pesquisar, por exemplo, se após a alta os pacientes apresentam sequelas pulmonares, psiquiátricas, hepáticas ou outras. O estudo abre campo também para estudos multicêntricos de patogênese, outros desfechos clínicos, e análises de subpopulações.
“Obviamente nós pesquisadores queremos saber o que acontece com esses pacientes depois da alta. Podemos propor estudos de follow-up [acompanhamento dos pacientes] e estudos epidemiológicos. Quem tiver uma proposta de pesquisa boa, que obviamente não interfira no Solidariedade, poderá propor para o grupo. O desejo de todos é que se faça o máximo de estudos multicêntricos e que rendam informação para melhorar os cuidados para esses pacientes e talvez para o enfrentamento de outras epidemias”, avalia Mônica.
Para a infectologista, a pesquisa multicêntrica tem o potencial de produzir um importante volume de conhecimento. “É difícil ampliar o conhecimento na área clínica apenas num grupo de pesquisa. Então a gente reúne os esforços, com apoio e retaguarda da OMS. Eu considero que é um estudo importante, promissor e com uma chance muito grande de trazer muita informação e abrir espaço para pesquisadores trabalharem em cooperação na Unicamp”.
A professora também destaca que, como o próprio nome do ensaio indica, a relevância da pesquisa está em buscar soluções para a humanidade frente à pandemia, com benefícios que não só aos acometidos pelo Covid-19, mas para a comunidade científica, reforçando os laços de cooperação internacional.